Zé Ramalho

Um velho cruza a soleira

De botas longas, de barbas longas, 

de ouro o brilho do seu colar
Na laje fria onde coarava sua camisa 

e seu alforje de caçador
Oh meu velho e invisível Avôhai
Oh meu velho e indivisível Avôhai
Neblina turva e brilhante em meu cérebro, 

coágulos de sol
Amanita matutina e que 

transparente cortina ao meu redor
Se eu disser que é meio sabido 

você diz que é meio pior
É pior do que planeta quando perde o girassol
É o terço de brilhante nos dedos de minha avó
E nunca mais eu tive medo da porteira
Nem também da companheira 

que nunca dormia só, 
Avôhai

O brejo cruza a poeira

De fato existe um tom mais leve 

na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos 

que amargam as pessoas que fitar
Mas que bebem sua vida sua alma 

na altura que mandar
São os olhos, são as asas, cabelos de Avôhai
Na pedra de turmalina 

e no terreiro da usina eu me criei
Voava de madrugada 

e na cratera condenada eu me calei
Se eu calei foi de tristeza, 

você cala por calar
E calado vai ficando 

só fala quando eu mandar
Rebuscando a consciência 

com medo de viajar
Até o meio da cabeça do cometa
Girando a carrapeta no jogo de improvisar
Entrecortando eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa 

pra doutor não reclamar
Avôhai, Avôhai, Avôhai